Perspectiva de: Cláudia Cassoma
A alfabetização não é apenas um acto de ensinar a ler e a escrever — é a base sobre a qual se constrói a cidadania, o desenvolvimento social e o crescimento económico. Em Angola, onde milhares de crianças, jovens e adultos ainda não têm acesso pleno à escola formal, os programas comunitários de alfabetização têm-se revelado um verdadeiro pilar da transformação nacional.
Em muitos bairros urbanos e comunidades rurais, é nesses espaços alternativos — igrejas, quintais, centros comunitários — que se cumpre, de forma prática, aquilo que a Constituição da República de Angola garante como direito fundamental e que a Lei de Bases do Sistema de Educação define como obrigatório e gratuito. Quando o Estado não chega com a força necessária, a comunidade responde, mostrando que a alfabetização não pode esperar.
Estes programas têm um impacto directo na vida das pessoas. Para uma criança, aprender a ler significa poder continuar estudos e sonhar com um futuro diferente. Para um adulto, significa recuperar a dignidade de assinar o próprio nome, compreender documentos, aceder a serviços básicos. Mas o impacto vai muito além do individual: comunidades alfabetizadas tornam-se mais participativas, mais informadas e mais capazes de tomar decisões que afectam o seu desenvolvimento.
A alfabetização comunitária ajuda a quebrar o ciclo da pobreza. Famílias com acesso à educação têm maiores hipóteses de gerar rendimento, melhorar condições de vida e garantir oportunidades para as próximas gerações. Esse processo cria um caminho para a construção de riqueza geracional — uma riqueza que não se mede apenas em dinheiro, mas em conhecimento, autonomia e capacidade de transformar realidades.
Posso testemunhar isso de perto. Em Novembro do ano passado, durante um período de voluntariado em Luanda, colaborei com a Associação Umóxi. Num quintal simples, transformado em sala de aula, duas professoras excepcionais — Sandra e Joice — entregam-se por completo ao ensino. Ali, com poucos recursos mas com enorme dedicação, constroem não apenas leitores, mas cidadãos. São pessoas como elas que mostram que alfabetizar é plantar esperança e colher futuro.
O valor desses programas vai além da educação: contribuem para a redução das desigualdades sociais, fortalecem a participação das mulheres — frequentemente as mais afectadas pelo analfabetismo —, estimulam o empreendedorismo local e dão às comunidades as ferramentas para sair da dependência e caminhar rumo à autonomia.
No entanto, é preciso ser claro: os programas comunitários, por mais vitais que sejam, não podem ser vistos como substitutos permanentes da escola pública. Eles mostram a força e a resiliência da sociedade civil, mas não podem servir de desculpa para o país se acomodar. É urgente investir de forma séria e consistente no sector da educação.
Investir significa construir mais escolas onde elas ainda não existem, reabilitar infra-estruturas degradadas, valorizar os professores com salários dignos e acesso à formação contínua, garantir materiais didácticos adequados, promover a utilização pedagógica das línguas nacionais e incorporar tecnologias acessíveis. É também apoiar os gestores escolares com consultoria educacional especializada, para que as instituições sejam mais bem administradas e capazes de gerar impacto real.
Neste caminho, a Angola Aprende já tem um papel activo. A organização oferece formação pedagógica e contínua para professores, reforçando a qualidade do ensino desde a base. Produz recursos educativos inovadores, adaptados às línguas nacionais e às realidades culturais locais, além de desenvolver soluções multimídia educativas que ampliam o alcance da aprendizagem. Ao mesmo tempo, apoia escolas, organizações e decisores através de consultoria educacional estratégica, ajudando-os a planear e gerir melhor os seus recursos.
Os resultados de tal investimento — tanto do Estado como de parcerias com organizações como a Angola Aprende — são claros: sociedades mais educadas são mais produtivas, mais saudáveis, mais inovadoras e mais democráticas. Cada kwanza investido na educação gera múltiplos retornos em forma de crescimento económico, redução da pobreza, maior participação cívica e maior capacidade de competir num mundo globalizado.
Não se trata apenas de ensinar palavras; trata-se de construir futuro. Sem alfabetização, não há verdadeira democracia, não há inclusão social, não há economia sustentável. Mas com ela, é possível romper barreiras históricas, reduzir desigualdades e preparar uma Angola onde cada cidadão contribui activamente para o desenvolvimento colectivo.
Este texto é também uma homenagem. A cada associação, a cada grupo comunitário, a cada voluntário que, em condições adversas, dedica tempo e energia para ensinar, devemos gratidão e reconhecimento. São os heróis invisíveis que, palavra a palavra, lição a lição, constroem a base de um país mais justo e próspero.
Os programas comunitários de alfabetização não são apenas um recurso de emergência; são uma estratégia vital para o desenvolvimento social, económico e humano de Angola. Neles reside a possibilidade real de quebrar o ciclo da pobreza e de abrir caminho para a criação de riqueza geracional. Mas para que a transformação seja plena, o país precisa de um compromisso firme: fazer da educação um investimento prioritário, capaz de transformar esperança em realidade.
É ali, no coração das comunidades, que começa a verdadeira transformação de Angola. Mas é nas salas de aula formais, reforçadas por políticas públicas fortes, professores valorizados e consultoria especializada, que esse futuro se consolida.
8 DE SETEMBRO
Dia Internacional da Alfabetização
Cláudia Cassoma é educadora, gestora escolar e autora de mais de trinta livros, incluindo obras infantis e paradidácticas. Com um historial profissional que vai de professora de educação especial a directora de escola nos Estados Unidos da América, é fundadora da Angola Aprende e da Fundação Cassoma, iniciativas que promovem inovação pedagógica, valorização dos professores e acesso inclusivo. Formadora certificada e palestrante internacional, tem dedicado a sua carreira a criar oportunidades educativas transformadoras. A sua luta é traçar um caminho claro que vá além da educação especial, rumo a uma educação inclusiva, acessível e de qualidade para todos. Dedica-se a inspirar educadores, estudantes e líderes a acreditarem no poder da educação como instrumento de mudança colectiva.
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